Falso biomédico de Curitiba indiciado por homicídio qualificado após morte de paciente

Um jovem de 21 anos, que nem sequer terminou o primeiro ano do curso de biomedicina, se apresentou como profissional da saúde e acabou causando a morte de uma mulher de 66 anos em Curitiba. O caso, que chocou a comunidade médica e a população local, levou à indiciamento por homicídio qualificado — um dos crimes mais graves previstos no Código Penal brasileiro. A vítima, Silvana de Bruno, pagou R$ 15.000 para receber procedimentos estéticos invasivos realizados por Eric, um estudante sem registro profissional, que usava um diploma falso para enganar pacientes e até funcionários de hospitais.

Um engano que custou uma vida

Silvana de Bruno conheceu Eric em maio de 2023, quando ele se apresentou simultaneamente como dentista e biomédico. Em junho, ela fez o pagamento antecipado — uma prática comum em clínicas estéticas legais, mas aqui, um sinal de alerta ignorado. Em setembro, ela foi submetida a três procedimentos invasivos: plasma facial, lipoaspiração da papada e lipoenxertia nos seios. O primeiro procedimento, a lipo da papada, falhou e precisou ser refeito. Foi então que tudo começou a desmoronar.

Após a intervenção, Silvana desenvolveu necrose na região tratada. A infecção se espalhou rapidamente, evoluindo para choque séptico. Mas o que realmente matou ela não foi apenas a má técnica — foi a administração errada de medicamentos por Eric, que, segundo a perícia, agravou a infecção e eliminou qualquer chance de recuperação. A vítima foi levada ao hospital por ele, que, em vez de revelar a verdade, se passou por enfermeiro e primo dela. Preencheu o prontuário com dados falsos. Foi um esforço desesperado para esconder a realidade: ninguém com formação médica teria feito isso.

Um sistema de fraude organizado

Eric não agia sozinho. Ele operava em um coworking em Curitiba que, segundo a Vigilância Sanitária, não tinha alvará para realizar procedimentos estéticos invasivos. O espaço era usado como clínica clandestina, com salas adaptadas sem os mínimos requisitos de biossegurança. Nas redes sociais, ele promovia seus serviços com slogans como “o melhor na área dele” e oferecia descontos para atrair clientes — muitos deles idosos, vulneráveis, confiando em sorrisos e diplomas falsos.

A Polícia Civil descobriu que Eric já havia realizado procedimentos em outras pessoas antes de Silvana. Duas pacientes já foram identificadas e estão sendo ouvidas. Uma delas sofreu reações alérgicas após um plasma facial. Outra teve infecção local, mas foi atendida a tempo. A sorte delas foi o tempo. A de Silvana, não.

Silêncio e falsidade

Durante o depoimento na delegacia, Eric não disse uma palavra. Diante da delegada Aline Manzato, responsável pelo inquérito, ele manteve o silêncio absoluto. Nenhuma explicação. Nenhum arrependimento. Nenhum pedido de desculpas. A delegada, em tom contundente, afirmou: “O estudante de biomedicina será indiciado por homicídio qualificado por usar meio que impossibilitou a defesa da vítima.” É uma frase que resumiu o caso: ele não apenas errou — ele impediu que ela fosse socorrida corretamente.

Os documentos encontrados — contratos falsos, diplomas adulterados, comprovantes de pagamento, mensagens nas redes sociais — formam um quebra-cabeça assustador. Eric não tinha registro no Conselho Regional de Biomedicina. Não era enfermeiro. Não era dentista. Não era médico. Era apenas um jovem com um diploma comprado na internet, um discurso charmoso e uma capacidade impressionante de manipular a confiança alheia.

O que isso revela sobre a saúde estética no Brasil

Este não é um caso isolado. Nos últimos cinco anos, a Polícia Civil do Paraná registrou 17 casos semelhantes de exercício ilegal da profissão na área da saúde estética, com três óbitos confirmados. A maioria das vítimas é mulher, acima de 50 anos, e busca tratamentos com preços abaixo do mercado — um sinal de alerta que muitos ignoram. Clínicas clandestinas crescem em bairros periféricos e até em shoppings populares, onde a fiscalização é fraca.

O sistema de saúde brasileiro, por mais falho que seja, tem mecanismos de controle. Mas quando o paciente sai do sistema formal e busca “soluções mais baratas”, ele entra em um território sem lei. E nesse território, Eric era o rei. Até que a morte de Silvana o derrubou.

O que vem a seguir

O caso foi encaminhado ao Ministério Público do Paraná para análise de denúncia. A expectativa é de que Eric seja formalmente acusado nos próximos 30 dias. A delegada Aline Manzato já pediu prisão preventiva, alegando risco de fuga e continuidade de crimes. Se condenado, ele pode cumprir entre 12 e 30 anos de prisão — e isso considerando apenas o homicídio qualificado. O exercício ilegal da profissão e falsificação de documento são crimes adicionais, que podem aumentar ainda mais a pena.

Enquanto isso, a Vigilância Sanitária de Curitiba anunciou uma operação de fiscalização em 47 espaços de coworking na região metropolitana. A meta: fechar locais que atuam como clínicas sem autorização. Mas a pergunta que fica é: quantos outros Eric ainda estão lá, esperando a próxima vítima?

Frequently Asked Questions

Como um estudante sem formação conseguiu aplicar procedimentos tão invasivos?

Eric usava um diploma falso e se apresentava como biomédico e dentista, aproveitando a falta de fiscalização em espaços de coworking. Muitos pacientes confiam em sorrisos, redes sociais e preços baixos, sem verificar registros profissionais. Ele também se passava por enfermeiro no hospital, o que dificultou a identificação da verdadeira origem do quadro clínico da vítima.

Quais são as penas previstas para esse tipo de crime?

O homicídio qualificado, por uso de meio que impossibilita a defesa da vítima, tem pena de 12 a 30 anos de prisão. Além disso, o exercício ilegal da profissão da saúde pode render até 4 anos de prisão, e a falsificação de documento pode somar mais 2 a 8 anos. Se condenado em todos os crimes, Eric pode cumprir até 42 anos — o que é raro, mas possível em casos graves.

Por que o coworking onde ele atuava não foi fechado antes?

Muitos coworkings em Curitiba funcionam como escritórios ou salas de reunião, e a fiscalização sanitária só atua quando há denúncia ou inspeção programada. Eric não tinha placa de clínica, nem sinalização, e os procedimentos eram feitos em horários alternativos. A Vigilância Sanitária reconhece que a fiscalização é insuficiente para cobrir todos os espaços, especialmente os que se escondem como “consultórios particulares”.

O que as pessoas devem fazer para evitar esse tipo de risco?

Verifique o registro profissional no site do conselho regional da área (ex: CRBM para biomédicos). Exija o CPF do profissional e confira no site do conselho. Nunca pague antecipadamente sem contrato. Procure clínicas com alvará sanitário visível. E, acima de tudo: se o preço parece bom demais para ser verdade, provavelmente é.

Há outras vítimas identificadas?

Sim. A polícia já identificou duas outras pacientes que receberam procedimentos de Eric antes da morte de Silvana. Uma teve necrose localizada e foi tratada a tempo. A outra desenvolveu infecção após um plasma facial, mas não foi internada. Ambas estão sendo ouvidas como testemunhas. A investigação continua para saber se há mais vítimas.

O que acontece se Eric for considerado mentalmente incapaz?

Mesmo que seja feita uma avaliação psiquiátrica, o fato de ele ter agido com intenção — planejando o uso de diploma falso, enganando pacientes e mentindo no hospital — torna improvável que seja considerado inimputável. A Justiça brasileira exige provas claras de transtorno psicótico que impeça o entendimento do caráter ilícito do ato. Neste caso, a manipulação e o esconderijo indicam plena consciência.